"Em Portugal a emigração não é, como em toda a parte, a transbordação de uma população que sobra; mas a fuga de uma população que sofre." (Eça de Queiroz)
A emigração sempre foi e continua a ser uma das constantes da História de Portugal, desde a epopeia das Descobertas à actualidade.
Todavia, apesar das raízes multisseculares, apenas a partir da segunda metade do século XIX e após a independência do Brasil (1822) e a emergência do Liberalismo, esse movimento humano, a partir de Portugal, se intensifica, sobretudo rumo a Terras de Vera Cruz.
A causa geral do fenómeno migratório num país de ”estrutura agrária ainda rotineira ou insuficientemente inovadora”, como o nosso, era “o baixo nível económico da população rural” (Joel Serrão), o crescimento demasiado lento e incapaz de acorrer às necessidades da população. Dadas as facilidades concedidas pelas vias férreas de ligação ao litoral e aos portos de embarque para aqueles que almejavam por uma ascensão rápida do ponto de vista económico, a emigração foi engrossando, mormente para o outro lado do Atlântico, após um fenómeno que havia de ser decisivo na mudança dos acontecimentos: a extinção da escravatura e a necessidade de atrair mão-de-obra agrícola para a substituir. Porém, seria nas cidades e nas actividades mercantis, sobretudo no comércio a retalho, que muitos "brasileiros de torna viagem" enriqueceriam.
Entre 1886 e 1951, deixaram Portugal rumo ao Brasil 1 352 000 portugueses, mais de 90% oriundos do Norte e 83% destinados ao Brasil, segundo os cálculos do geógrafo Orlando Ribeiro.
O movimento migratório para o Brasil prossegue ao longo da primeira metade do século XX. E mesmo depois, ainda com grande vigor, numa altura em que começa a “saga europeia”, a partir de finais dos anos de 1950.
Como demonstra José Carlos Ferreira de Almeida, no seu estudo "A emigração portuguesa para França: alguns aspectos quantitativos" [1], a partir de dados oficiais, designadamente do Instituto Nacional de Estatística e da Junta da Emigração, a emigração para França começa a ter expressão apenas a partir de 1957, na altura com 3 102 emigrantes legais (os clandestinos, indocumentados ou que vão “a salto” não entram nestas estatísticas), enquanto a demanda do Brasil continuou em cifras muitíssimo superiores. Basta verificar que, no mesmo ano de 1957, o Brasil foi destino de quase 20 mil portugueses...
Outro número absolutamente demolidor, extraído do mesmo quadro: entre 1950 e 1962, partiram legalmente de Portugal para França 32 000 emigrantes, enquanto para Terras de Vera Cruz foram mais de 279 000, para a Venezuela 47 000 e para outros países 83 700 portugueses. Os portugueses ainda continuavam a apostar no país irmão, como sinónimo do Eldorado onde poderiam sair da pobreza que campeava no seu país, em resultado de atrasos estruturais dos seus níveis de desenvolvimento.
O que significa que a grande avalanche de emigrantes para a Europa, e especificamente para França, se dá a partir de meados dos anos 60.
O Professor Jorge Arroteia (Universidade de Aveiro) acrescenta que em 1964 a emigração para o Brasil era de 4929 pessoas, enquanto para França era já de 32 641emigrantes. Em 1969, emigraram para França 27 234 portugueses, enquanto para Terras de Vera Cruz saíram apenas 2537 emigrantes. O ciclo do Brasil inverteu-se inteiramente, ascendendo o ciclo da Europa, e especificamente o rumo a terras gaulesas.
(Jorge Carvalho Arroteia, "Aspectos recentes da Emigração Europeia", Revista Crítica de Ciências Sociais, nos 15/16/17, Maio de 1985, p. 437)É exactamente na década de 1960 que se dá o maior surto de emigração a partir do nosso país.
Entre 1960 e 1974, em década e meia, saíram de Portugal, em busca de condições mais dignas de existência, perto de milhão e meio de cidadãos, entre os que partiram legalmente e os que saíram "a salto", sobretudo para França, o que dá uma média de cerca de 100 mil emigrantes por ano.
Estes números serão aproximados, porquanto as estatísticas não eram fiáveis, numa altura em que uma grande parte da emigração se processava clandestinamente, havendo mesmo anos em que esse segmento do fenómeno migratório superava as saídas documentadas. Foi o que aconteceu entre 1969 e 1971, nos quais a emigração clandestina superou a legal.
Numa altura em que a população portuguesa não chegava aos 9 milhões de almas, emigrou cerca de um sexto dos portugueses. Uma sangria terrível do tecido humano português! Dessa legião de emigrantes, a França recebeu, na década de sessenta, 63% dos portugueses que abalaram em busca de melhores condições de vida.
Como sublinha Carlos Fontes [2], a emigração de portugueses para França entre 1961 e 1974, é um dos episódios mais impressionantes da história contemporânea de Portugal, constituindo uma verdadeira debandada do país.
Dentro deste período, nos anos de 1966 a 1972, registou-se "o maior movimento migratório português para os países da Europa Ocidental, com especial evidência para França" [3]. Como recorda o investigador Jorge Arroteia:
não só as razões de natureza económica relacionadas com o nível de vida, as fracas oportunidades de emprego existentes nas regiões rurais e a incapacidade do tecido produtivo em absorver os contingentes de assalariados e de trabalhadores libertos das actividades agrícolas e de subsistência, contribuíram para acelerar este movimento. Também as razões de natureza política decorrentes do regime Salazarista e da guerra em África justificaram muitas dessas saídas. Refira-se ainda que o incremento da emigração para a Europa, registada entre nós no decurso dos anos sessenta e setenta veio a reduzir o tradicional movimento transoceânico e acompanhou a tendência global da emigração intra-europeia igualmente registada noutros países mediterrânicos [4].
Nos anos de 1960, começa a grande aventura emigratória neste país. Portugal era um país comprovadamente retrógrado, encerrado sobre si mesmo, na estúpida atitude do “orgulhosamente sós”. Oprimido, vigiado, censurado, proibido, sem perspectivas algumas de progresso, o povo português era, sem dúvida, o mais subdesenvolvido da Europa. A larga maioria dos portugueses vivia em condições miseráveis. Cerca de 40% eram analfabetos.
Por essa altura, milhares de compatriotas viram-se na contingência de ter de rumar a terras gaulesas, nas mais inóspitas, desumanas e clandestinas condições.
Ainda por cima, com o rebentar da guerra colonial, a partir de 1961 nas então possessões ultramarinas e a mais que certa mobilização dos jovens em idade militar, muitos portugueses fugiram igualmente do seu país tomando o destino da Europa, sobretudo da França.
Em 20 anos, cerca de dois milhões de portugueses, demandaram a Europa, genericamente e terras gaulesas, em particular, para escapar à miséria e para se livrar da guerra colonial, que tantos milhares de mortos e estropiados haveria de provocar na nossa juventude.
Proibida pelo fascismo, a emigração legal (a propaganda salazarista defendia que emigrar só era uma vitória se fosse para ir para o Ultramar e mesmo aí era colocado todo o tipo de entraves...), restava aos portugueses o recurso penoso à emigração clandestina que, por um decreto de 1954, era considerada um crime e por isso sujeita a sanções penais e à repressão da PIDE.
As forças de segurança "tapavam as fronteiras", a emigração era alvo de censura na comunicação social, para desincentivar a saída dos portugueses.
Mas os portugueses não se amedrontaram e, às dezenas, às centenas, aos milhares, rumaram a França, sem passaporte, nas mãos de engajadores e "passadores" sem escrúpulos, andando quilómetros e quilómetros, dias e dias, à fome e à sede, passando clandestinamente duas fronteiras, viajando uns em cima dos outros, em camiões sem luz e sem ar, pelos sítios mais incertos, dormindo onde calhava, evitando a Guardia Civil em Espanha e a Gendarmerie francesa, para poderem, enfim, "ganhar o pão nosso de cada dia". Um jornal francês, em 1964, chegou a anunciar que os animais vivos num vagão fechado eram clandestinos portugueses. Frequentemente viajavam de noite, sujeitos a quedas ou ao frio da montanha e alguns deles morreram durante a aventura, jazendo anonimamente nos cemitérios do País Basco.
A emigração "a salto" foi a mais marcante das dezenas de anos em que os portugueses abandonaram o seu rincão. Em finais dos anos 60, nada menos que 66% dos portugueses que estavam em França passaram as fronteiras clandestinamente. Como afirmava um jornalista francês:
Os seus passaportes eram os da montanha, a salto. Atravessar a fronteira pelos montes, eis a salvação deles, sem carimbo da fronteira.
Chegados a França, empregavam-se nos trabalhos mais desqualificados e viviam, miseravelmente, nos "bidonvilles" dos arredores das grandes cidades, em condições degradantes. Pedreiros a viver, paradoxalmente, em barracas de madeira, sem as mínimas condições, a deitar-se em tarimbas feitas de molhos de palha, amontoados, como animais, sem esgotos nem água, cercados de lama e a pagar um bom aluguer aos gananciosos e exploradores proprietários daqueles arremedos de habitações. Contudo, humildemente, interessava era arranjar trabalho, amealhar o máximo, para mandar para a terra, não importando as condições e os sacrifícios necessários para granjear mais uns francos...
Nos anos 60, milhares de portugueses fugiram à miséria do país fascista, como milhares de jovens se recusavam a partir para as colónias para uma guerra que não era a sua. Sofriam, naturalmente, as consequências políticas dessa opção, não podendo regressar a Portugal, o que apenas aconteceu após o golpe dos capitães, em 25 de Abril de 1974 [5]...
Entre 1958 e 1974, cerca de um milhão de portugueses instalam-se em França, dispostos a trabalhar em tudo o que lhes apareça. As formas brutais da sua exploração começam em Portugal, com as redes que os transportam até à fronteira, e não raro os abandonam pelo caminho. Muitos portugueses morrem neste percurso. Em França são vítimas de todo o tipo de discriminações: no trabalho, no alojamento e nas mais pequenas coisas do dia-a-dia, uma humilhação que a custo suportam. Muito poucos esperam enriquecer, mas todos esperam conseguir uma vida mais digna que lhes é recusada na própria terra. Trata-se de uma verdadeira vaga, em grande parte clandestina, contra a qual todas as leis se revelam ineficazes. Em poucos anos despovoam-se regiões inteiras abrindo-se profundas rupturas nas suas estruturas económicas, sociais e culturais. Nada voltará a ser como dantes!
A imagem que a comunicação social francesa veicula destes emigrantes é frequentemente a pessoas de baixíssimo nível cultural e sobretudo despolitizadas, quase sempre ligados a profissões desqualificados. As mulheres são "todas" porteiras e os homens "todos" operários da construção civil. Imagem que está longe de traduzir a diversidade das suas ocupações e qualificações profissionais.
Em 1990 registavam-se em França um total de 798.837 pessoas de origem portuguesa (603 686 mil haviam nascido em Portugal e 195 151 em França). A maioria destes emigrantes está hoje muito bem integrada na sociedade francesa, tendo uma crescente influência política.
Actualmente, a França acolhe a terceira maior comunidade portuguesa radicada no estrangeiro. Há os emigrantes da primeira, da segunda e da terceira geração. Uns que emigraram para o país das Luzes nos anos 60, 70 ou 80, outros que já lá nasceram, filhos e netos de pais portugueses e que hoje ocupam lugares de destaque em diversos sectores da economia, da sociedade e da cultura do país de acolhimento.
Entretanto, a partir dos anos 80 do século XX, com o declínio da economia francesa e em geral por toda a Europa, começou a esboçar-se a tendência do regresso às origens, por parte de grande número de emigrantes, incentivados pelo governo francês.
Consequentemente, muitos dos emigrantes que haviam chegado há duas/três décadas e que já se encontravam em idade mais avançada, ou com a ideia de regressarem, de uma forma ou outra, aproveitaram esses incentivos para a realização desse sonho, do regresso. Milhares deles fizeram-no, retornando, em definitivo, ao país de origem, ao seio da família e dos amigos. É claro que nem sempre foi fácil a readaptação à aldeia natal, mesmo ao ambiente familiar, sobretudo em freguesias desertificadas, das quais desapareceram os amigos e a vida se tornou mais solitária.
Esta foi uma das consequências negativas da emigração, que teve naturalmente como positivo, ao longo destes anos, o envio de milhões de francos e, mais recentemente, de euros em remessas, que muito contribuíram para a estabilização financeira e para o progresso do nosso país.
A partir dos anos da crise (2010/2011), a emigração recrudesceu, agora para todos os destinos onde haja oportunidade para os portugueses (mais ou menos qualificados) lograrem "uma vida melhor", encontrar trabalho ou espaços de realização ou ascensão profissional.
Referências:
[1] Análise Social, vol. II, no 7/8, Lisboa, 1964.
[2] É interessante a página electrónica “Imigrantes Somos Todos”, dirigida por Carlos Fontes, com ampla temática sobre a emigração e a imigração, no passado e no presente.
[3] SILVA, Rosa Fernanda Moreira, "Dois casos exemplificativos da emigração portuguesa desde 1966 à actualidade", in Revista da Faculdade de Letras – Geografia, I Série, Vol. VH, Porto, 1991, p. 5.
[4] ARROTEIA, Jorge, “Aspectos da Emigração Portugeusa”, Scripta Nova. Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales, Universidad de Barcelona, No 94 (30), 1 de agosto de 2001
[5] COIMBRA, Artur Ferreira, Desafectos ao Estado Novo – Episódios da Resistência ao Fascismo em Fafe, 3a edição, pp. 156-159.